Zero Vidas: Sega Saturn.

O leitor não conseguirá imaginar a dor que me vai na alma, ao esbater o teclado para esta crítica. Trata-se duma autópsia forçada a uma máquina que, com pérolas bem brilhantes na oferta de software, falhou na raiz conceptual. A Sega Saturn foi apresentada ao mercado europeu com uma credencial ambiciosa: era a primeira 32 bits da história. Infelizmente para os cofres da Sega e bem-estar geral da comunidade de jogadores afincos á companhia – na qual, para o registo, ainda hoje me incluo – a resposta do mercado foi lenta e penosamente negativa para a gigante nipónica.

Na ressaca do remoinho de sucesso, qualidade e desilusão pontual do período Mega-Drive, a Sega calçou as botas de co-líder das preferências nas prateleiras mundiais, iniciando o processo criativo da nova coqueluche, a Sega Saturn. Com a chegada anunciada da Playstation, fabricada pela nova rival Sony, os engenheiros responsáveis alteraram o projecto original, acrescentando músculo técnico à consola. O resultado prático foi ironicamente trágico: a Saturn revelou-se infernal para o desenvolvimento de software.

Completamente arredada da luta pelo domínio de mercado, a Saturn revelou-se surpreendentemente fértil em títulos de extrema qualidade. Alguns, como o lendário Panzer Dragoon Saga ou Castlevania: Symphony of the Night, ainda hoje são referenciados como padrões de desenho estético e mecânico, louvados pela comunidade que honra glórias do passado. Justiça seja feita; com o processo criativo áspero associado a qualquer projecto Saturn, o número de discos competentes não deixa de ser quase inacreditável. Destaco o catálogo de fighters, com favoritos pessoais como Street Fighter Collection, Fighting Vipers, Virtual Fighter e VF2, ou o esquecido Golden Axe: The Duel.

Catálogo elitista e extremamente selectivo á parte, a Saturn assistiu ao próprio velório pela lente mais deturpada; a da publicidade mal direccionada. Ao seguir um caminho de areia movediça, trilhado por culpa própria e dúbia visão prospectiva do futuro, a Sega tropeçou em consecutivos anúncios suicidas. Pelo menos no Ocidente. Espante-se o leitor; em diversos picos de reconciliação entre Sega e consumidores japoneses, muitos discos exclusivos para Saturn acabaram por superar os congéneres lançados para Playstation, em solo nipónico. A razão parece óbvia e enraizada em dois factores primordiais: a aposta intensiva em títulos direccionados a uma fatia de público muito especial (como Sakura Wars ou Baku Baku Animal), e ao carisma da “cara Sega Saturn”, Segata Sanshiro. O impressionista japonês espalhou magia nos televisores do seu país natal, chegando com facilidade ao coração meloso do jogador mais atento.

Por cá, o típico conservadorismo europeu levou a melhor. Parece que o povo decidiu, estrategicamente, esperar peça oferta da Sony em detrimento da recém-nascida Saturn, que aterrou no velho continente a oito de Julho de 1995. Felizmente, não fui um deles.

As minhas duas Saturn – adquiri uma segunda máquina recentemente para aproveitar o fenómeno da importação – continuam bem á vista, com a respectiva colecção de jogos bem acomodada no topo da prateleira. As experiências que absorvi ao comando da caixa negra esfumam eventuais decepções e percalços de viagem.    

11 Respostas to “Zero Vidas: Sega Saturn.”


  1. 1 Silent Quarta-feira, Julho 2, 2008 às 17:36

    Para mim, sempre será a melhor consola de videojogos que me passou pelas mãos, foram 50 contos bem gastos, foram horas especado a olhar para a qualidade gráfica de Virtua Fighter 2, horas de volta de Wipeout, Clockwork Knight, Nights, Die Hard Arcade, entre muitos outros…Adoro-te Saturn!

  2. 2 Daniel Costa Quarta-feira, Julho 2, 2008 às 18:36

    Clockwork Knight 2 e Nights são dois dos meus títulos retro preferidos. Excelente referência, Silent!

    E sim, também dei 50 contos dos antigos pela Saturn com o Tomb Raider. Salve-se Santa Lara…

  3. 3 NebachadnezzaR Quarta-feira, Julho 2, 2008 às 20:17

    É sempre vou ver mais fãs da Saturn, essa excelente consola tão odiada por uns e tão amada por outros (eu incluído, com muito gosto). Perdoa-me a publicidade, mas no caso de te ter escapado, eu escrevo para um excelente blog dedicado a essa mítica consola da Sega a que talvez queiras dar uma olhadela: http://thesaturnjunkyard.blogspot.com/

    Já agora, obrigado pelo coment no meu 😉 De facto existe um motivo para escrever em inglês, apesar de este não ser óbvio (não, não é a exportação ou internacionalização). É tão somente o facto de que, quando criei o meu blog, já escrevia ou era comentador assíduo de vários outros, pertencentes a utilizadores de todo o mundo que se conheciam entre si, formando um pequeno grupo de amigos virtual do qual passei a fazer parte. Apenas escrevo em inglês porque é a única forma de comunicar com eles, e aprecio demais a sua participação para os alienar com um blog escrito na língua de Camões.

    Abraço 🙂

  4. 4 Hugo Freitas Quinta-feira, Julho 3, 2008 às 1:00

    Muito bom! Continua o bom trabalho!

  5. 5 Silent Quinta-feira, Julho 3, 2008 às 9:43

    Epa, no meio disto tudo tinha-me esquecido de referenciar o fabuloso Tomb Raider!!! Por acaso a minha consola vinha apenas com o Virtua Fighter 2 e com o comando Master http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Saturn_Controller.jpg

    Infelizmente já não possuo a consola, apenas tenho a Master System 2 com alguns joguitos 🙂

  6. 6 Alexandre Quinta-feira, Julho 3, 2008 às 12:35

    Boa matéria. Também é importante apontar que, além do inferno técnico, cheio de decisões erradas de design e das brigas entre as divisões da Sega (o pessoal da Sega of America estava usando a engine de Nights para desenvolver o nunca lançado jogo do Sonic para Saturn, mas o Yuji Naka ameaçou se demitir se deixassem eles continuarem a usar sua engine), as decisões de marketing erradas deixaram a Sega queimada com vários lojistas e desenvolvedores dos Estados Unidos, destroçando qualquer chance de sucesso que o console pudesse ter no Ocidente.

    É digna de nota a observação de um dos grandes da Sega na época (não lembro se o Yuji Naka ou o Yu Suzuki), que disse que apenas 100 pessoas no mundo podiam programar para o Saturn realmente bem. Com algo assim, realmente não tem como um console vender…

    Um abraço!

    http://gamesblvd.wordpress.com/

  7. 7 Durval Quinta-feira, Julho 3, 2008 às 21:16

    Bom post!
    Eu faço parte do grupo do “outro lado”, do lado playstation, como tal, só agora tenho tentado jogar algumas pérolas de saturn através de emuladores, mas estou a lutar para conseguir uma em segunda mão. Cá em portugal ainda se encontra mercado de jogos sega saturn em segunda mão? Ou só nos safamos importando ?
    Cumprimentos para todos os intervinientes.

  8. 8 Daniel Costa Quinta-feira, Julho 3, 2008 às 21:26

    Em território nacional já é muito complicado. Contudo, sugiro uma visita às seguintes lojas online:

    http://videojogos.com/Webiz?url=/store/DFL/html/catalogo.jsp&depid=1&catid=1&marcaid=32

    http://www.nivelx.pt/saturn/

    Quanto a sítios físicos, talvez compense um pulo a uma Cashconverters. Há uma excelente em Alfragide.
    Mas já é muito difícil…
    Enfim, a importação resolve tudo, não é?

  9. 9 Bruno de Figueiredo Quinta-feira, Julho 3, 2008 às 22:59

    Convém referir que a Saturn não era um hardware para o qual era difícil criar software, o problema residia especificamente na dificuldade em criar jogos utilizando motores gráficos poligonais, dado que todo o sistema de processamento gráfico se baseava em quadriláteros e não triângulos como vigorava nos outros sistemas. Houve muitos atrasos na entrega dos kits de desenvolvimento o que colocava os estúdios na posição incómoda de programarem os jogos ou conversões quase sem assistência e em assemblers. No que diz respeito aos jogos baseados em gráficos 2D, a consola sempre permitiu maior conforto na criação de jogos devido à sua maior capacidade de memória RAM (superior inclusivamente à da Playstation). E como dizes isso não impediu a muitos estúdios a criação de jogos de qualidade evidente, desde a AM2, Sonic Team ou Team Andromeda.

    Outro aspecto que é importante referir prende-se com o declínio no percurso da SEGA enquanto empresa, derivado de um par de más apostas de hardware que em muito confundiram os utilizadores e seguidores das séries de jogos desta empresa. Por outro lado a SONY, marca prestigiosa em diversas áreas da tecnologia e com grande orçamento, conseguiu assumir a dianteira a partir de 1997 com base nas negociações que fez com third parties japonesas até então vinculadas à Nintendo (que sempre dominou com grande diferença o mercado nipónico desde a primeira metade da década de 80). É do conhecimento geral que a principal directiva da SONY não era a de conquistar a pequena fatia de mercado da SEGA, mas sim a da Nintendo, por razões que por si justificariam um outro artigo.

    Creio que neste episódio das 32-Bit, a ausência de contratos com third-parties ainda foi mais prejudicial para a SEGA do que na época 16-Bit e isso significou menos títulos, menos diversidade, o que reflectia a imagem pública de uma sistema sem rumo e sem apelo comercial.

    Segata Sanshiro foi uma curiosa solução publicitária que misturava o sentimento de patriotismo e reverência pela história e iconologia popular japonesa com alguma manifestação de comiseração pelo sistema e pela empresa em declínio. A SEGA demonstrou, como o fez até ao fim, capacidade de reconhecer a sua própria situação de risco e exercitar o seu sentido de humor a partir do seu próprio declínio (ver o último anúncio da série Segata Sanshiro). De facto os jogos que o personagem publicitário promoveu eram quase todos de excelente qualidade e isso acabou por evitar um desastre mais alargado. A Saturn segue como um dos maiores falhanços comerciais do mundo dos videojogos tendo em conta o investimento avultado e mercado à escala mundial da empresa. Do software, restam excelentes memórias de títulos únicos, alguns mais classicistas, outros puramente visionários.

    Boa escolha de tema, bom artigo, parabéns.

  10. 10 Daniel Costa Sexta-feira, Julho 4, 2008 às 1:02

    Quanto à dificuldade de programação, sim, residia na interpretação geométrica do CPU da consola. Aliás, o jogador “antigo” com mais atenção, notará uma clara diferença em títulos como Tomb Raider ou o mal-afamado Tunnel B-1. Referi os fighters 2D com intenção. Repara que grande parte dos jogos multi-plataformas, tinham uma performance mais regular e agradável à vista na Saturn. Não só pela RAM, como tão bem lembras-te, mas pelo tal comodismo arcaico dos engenheiros da Sega.
    É verdade que a Sony se encostou mais ao publico Nintendo, também por puro faro estratégico. Mas é importante referir o projecto falhado do leitor de CD para Super Nintendo (Famicom), que estava a ser desenvolvido pela própria Sony na época. Curioso…

    No que à política da Sega diz respeito, já esbati ideias muito objectivas neste artigo: http://nowloading.blogs.sapo.pt/1153.html

    Obrigado pelo comentário tão interessante.


  1. 1 Live Free or Dynamite Deka. « Now Loading… Trackback em Sexta-feira, Março 20, 2009 às 16:46

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