Beijing 2008 – Análise.

Pequim, dia 8 de Agosto de 2008. O mundo está literalmente parado em frente ao televisor. Cada coração patriótico bate a ritmo apaixonado, com o desfile triunfal da representação do seu país na pista mais importante do momento. Controvérsia política á parte, o governo chinês cumpre a premissa de festa e cores exuberantes, pintando a cidade com tinta democrática, para estrangeiro ver. Mas o ponto alto da prova é, como sempre foi, o desempenho dos atletas. As estrelas do mês da competição, não escondem os nervos e honra pelas cores que ostentam. Pronto, está enfeitado o palco de Beijing 2008 – o jogo oficial. A Eurocom, companhia britânica responsável pela concepção da obra, propõe a materialização do sonho de glória, divertimento e acessibilidade mais básica. Resta saber se está encontrado o novo campeão olímpico, ou se o disco nem passou da qualificação…

O espírito ecléctico das várias componentes desportivas, que fazem parte do cartel dos Jogos Olímpicos, serve o propósito deste título publicado pela Sega. O objectivo é apresentar uma dose bem díspar de modalidades, com um único objectivo em mente: a aclamada medalha de ouro. Na impossibilidade prática de oferecer o menu completo – futebol, hóquei de campo entre outros, ficaram excluídos – a Eurocom preferiu investir esforços e recursos em trinta e oito eventos distribuídos por dez disciplinas. Os clássicos, como toda e qualquer vertente de atletismo, natação, ginástica ou disparo, marcam presença de relevo. Com os trunfos citados e uma licença pesada em punho, os responsáveis pelo projecto Beijing 2008 tinham oportunidade de adoptar uma postura experimental. Mas não. Os programadores encostaram-se ao comodismo genérico da geração corrente, despindo a obra final de qualquer preciosismo técnico. Pior, a mecânica instalada em Beijing 2008 é cansativa e frustrante em demasia. Caro leitor, afinco espectador dos jogos de Verão, no caso de sofrer de uma qualquer condição de fácil irritabilidade, evite uma passagem pelo cenário digital de Pequim. Confie na palavra do amigo escrivão; jogar esta oferta, pode significar um incentivo á loucura a curto prazo.

Mesmo com os dedos feridos, não consigo acabar a prova de ciclismo.

A apresentação da mecânica de jogo é (pelo menos) clara e extremamente objectiva. O candidato a super-atleta terá de espancar furiosamente uma simples combinação de botões, de forma a completar o exercício em prova. Só isto. A fórmula é conservadora, mas, neste caso, poderia ser conveniente. Infelizmente para o herege desportista de sofá, o sistema de Beijing 2008 entra num ciclo previsível, de execução medíocre e com doses elevadíssimas de sorte.

Todas as modalidades a concurso adoptam a desgastante mecânica já referida. A título de exemplo, na gloriosa corrida de 100 metros rasos, o jogador terá de pressionar repetidamente os botões ‘A’ e ‘B’ até alcançar a meta. Meus pobres dedos. Para o registo, fui obrigado a destruir as duas teclas para garantir uma medalha. O processo é cansativo e extraordinariamente retrógrado. A Eurocom imaginou um esquema literalmente doloroso para o jogador que, embora ligeiramente apelativo pela simplicidade, não convence o utilizador mais casual, presumível comprador da obra. A falta de ambição notória e objectividade estritamente comercial ficam espelhadas em cada gota de suor do atleta no ecrã.

A jogabilidade não sofre grandes mudanças conceptuais nas restantes modalidades disponíveis. O desinteresse instalado alastra-se ao lançamento do dardo, judo ou ciclismo, com alterações ligeiras mas necessárias. Seja o direccionar esporádico do botão analógico, ou a obrigação de seguir uma sequência de teclas nas disciplinas de ginástica, a monotonia e sentimento de frustração são constantes.

Claro que o expoente prático de Beijing 2008 pode ser emocionante, e até reconfortante, tendo em conta os problemas técnicos. Festejar o ouro olímpico ao som do hino nacional (‘A Portuguesa’ está presente numa versão mais curta) é sempre um momento único e exclusivo nos videojogos. Salvo exemplos pontuais no género desportivo, raramente senti a febre patriótica ao comando de qualquer plataforma. Para o efeito, estão disponíveis trinta e duas equipas nacionais, incluindo, obviamente, a portuguesa. Mas perca as esperanças, caro leitor; nenhum atleta está devidamente licenciado. O mesmo para os respectivos equipamentos.

Para os fervorosos da exploração mártir, Beijing 2008 oferece uma variedade de modos de jogo limitada mas saudável. Na ‘competição’ é possível aperfeiçoar os dotes de … esmagador de botões, participando em provas e disciplinas individuais. Mas o modo central é, indiscutivelmente, a recreação do mês da prova olímpica. O jogador será induzido a construir uma selecção a gosto – incluindo, se desejar, os modelos tridimensionais dos atletas – com objectivo final definido; conquistar o maior número possível de medalhas. Alterando os atributos físicos e técnicos dos competidores, como velocidade, resistência e força, seremos guiados por uma estrutura de requerimentos mínimos, ao longo dos dias de prova. Um exemplo prático; se não qualificar pelo menos um atleta para as finais de determinada disciplina, fim da brincadeira. O ecrã de ‘game over’ confirma a desgraça desportiva. Para os mais empenhados no ofício, há horas incontáveis de martelamento sequencial pela frente.

Contudo, será na componente online que o jogador investirá mais atenção. Sem grandes problemas de lag, ou arrastamento de imagem, a experiência olímpica ganha claramente outra cor quando experienciada com outros jogadores humanos. Subir ao pódio num palco (literalmente) internacional, pode ser compensador e quase tocante.

A feira promocional de Beijing 2008 prometia uma experiência realista e visceral. A Eurocom cumpre a premissa… em certos aspectos. A apresentação gráfica é sustentada, sobretudo, por uma sensibilidade artística apurada, no que à animação dos atletas diz respeito. Embora notoriamente robótica em diversas disciplinas – prepare-se para a pior representação digital de ténis de mesa, da história – a animação está bem conseguida no geral. Destaco as repetições das provas de natação, que espelham detalhes dignos de registo e uma fluidez corporal, não muito exuberante, mas bem representada e eficaz. Excepção feita à terrível concepção na entrega de medalhas e subida ao pódio. Salvem-se os citados hinos nacionais…

Infelizmente, os modelos dos atletas acabam por ser desinteressantes e genéricos. Embora bem desenhados e tecnicamente aceitáveis, fique a saber que não pode personalizar um busto humano, tendo apenas disponível um pequeno número de texturas pré-definidas.

O pacote audiovisual fica completo com melodias inspiradas pelos sons tradicionais da China, e expressões bem audíveis por parte do público. Competência e descrição, portanto.

Destruir botões para chegar à meta... que maravilha!

Beijing 2008 é a materialização do banal, e a confirmação do espírito oportunista da Sega de hoje. Embora consiga proporcionar momentos ocasionais de emoção, a imposição de uma mecânica penalizadora e desconfortável, arruína qualquer candidatura a outro nível de entretenimento. Confesso que a primeira impressão foi animadora, mas a recreação dos jogos de Verão, cai rapidamente num comodismo monótono e desinteressante. Mesmo considerando a boa oferta para competição, local e em rede, entre jogadores humanos, recomendar a aquisição obrigatória do disco seria um luxo pretensioso. Ao leitor mais entusiasmado: por vezes, não vale tudo para chegar ao ouro.

7 Respostas to “Beijing 2008 – Análise.”


  1. 1 wakachamo Quarta-feira, Julho 9, 2008 às 22:28

    Será que é pior que o Mario & Sonic at the Olympic Games? =P

  2. 2 Daniel Costa Quarta-feira, Julho 9, 2008 às 23:01

    Não joguei Mario & Sonic, mas duvido que seja, pelo menos, tão irritante…

  3. 3 DC_Comics_fan Quinta-feira, Julho 10, 2008 às 12:52

    “Beijing 2008 é a materialização do banal, e a confirmação do espírito oportunista da Sega de hoje.”

    A Sega de 1980:

    http://www.atariage.com/software_page.html?SoftwareLabelID=665
    http://www.atariage.com/software_page.html?SoftwareLabelID=612
    http://www.atariage.com/software_page.html?SoftwareLabelID=486
    http://www.atariage.com/software_page.html?SoftwareLabelID=497

  4. 4 Daniel Costa Quinta-feira, Julho 10, 2008 às 13:20

    A Sega de 1998:
    http://en.wikipedia.org/wiki/Burning_Rangers

    A Sega de 2008:
    http://en.wikipedia.org/wiki/Iron_man_video_game

    É uma questão de filosofia e qualidade.

  5. 5 luxxx Quinta-feira, Julho 10, 2008 às 22:32

    Não gosto… mas compreendo a SEGA.

    A única coisa que peço é que por cada pedacinho de lixo licenciado nos dê algo de bom, coisa que não tem acontecido nos últimos anos.

    A ver vamos o que virá do novo Sonic. Não parece ser mau, mas já não digo nada.

  6. 6 DC_Comics_fan Sexta-feira, Julho 11, 2008 às 12:52

    Eu sei onde queres chegar, mas hoje em dia, qual é a empresa que não faz jogos baseados em licenças de filmes ou outros eventos tais como o Europeu e as Olimpíadas?

    Mas enfim, Bejing 2008 é um jogo casual… dificilmente esperava melhores pontuações.

  7. 7 Orta Quinta-feira, Julho 17, 2008 às 18:46

    A Sega de 2008: http://en.wikipedia.org/wiki/Valkyria_Chronicles

    Enquanto o lixo vender para financiar o citado (entre outros), não vejo motivo para críticas. Na Sega vão apostando em novas marcas, na Nintendo (só um exemplo, pois há vários) temos uma conferência na E3 dedicada ao shovelware, sem qualquer respeito por aqueles que acompanharam uma empresa que fez coisas como Super Mario World, Legend of Zelda ou Pilotwings.

    Provavelmente os factos de a Sega durante tantos anos só ter deitado cá para fora algo a nível de jogos, no mínimo, bom e de a sua divisão-bandeira se ter tornado numa sombra do passado, levem a tanta reacção exacerbada com aquelas que se encontram nos comentários (e até nos próprios artigos) de sites como o Kotaku.

    Muitas das críticas não fazem sentido e dão, até, vontade de rir. Parecem vindas de pessoas que criticam a Sega porque está na moda, sem se darem ao trabalho de experimentar os jogos.

    Termino citando o produtor de Segagaga, jogo que infelizmente nunca cá chegou, numa entrevista na última edição da Edge:

    “We always believed there was no point in doing a project others could do.”

    Um abraço!


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