O Novo Império.

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Atsushi Inaba, antigo chefe e criativo do extinto estúdio da Clover (Capcom), responsável pela ideia e apelo de títulos como God Hand, Okami e Viewtiful Joe, é sem dúvida um bom comunicador. Agora à frente da equipa da Platinum Games (estúdio independente), o visionário nipónico desfaz-se em declarações surpreendentes, mas sintomáticas do verdadeiro Japão digital corrente. Em entrevista à Developmag, Inaba-sama afirma que “os criadores e equipas ocidentais são superiores aos japoneses, no geral”, continuando: “estamos a chegar a uma época em que apenas os criadores vão ser relevantes, e não o país onde estão. A globalização também está a chegar à nossa indústria”. Será mesmo assim? Pergunto-me se o mar de confusão ideológica, em que a maioria dos estúdios nipónicos navegam, não resultará dum turbilhão de mediocridade operado por bússolas defeituosas e rumos sem razão.

É verdade que a indústria dos videojogos, como os restantes mercados de entretenimento, caminha para um cenário apoiado pela globalização. A aposta na formação prévia, e divisão de cargos e capacidades, contribui para isso mesmo. Aliás, na última década de estrada, o camião de competência da indústria tem mostrado força e objectividade, mesmo sofrendo alguns furos pelo caminho. Contudo, o palco de desenvolvimento e publicação individual (ou a cargo de equipas microscópicas), ainda não é muito acessível, nem fácil. Serviços de distribuição digital, como o WiiWare ou Xbox Live Arcade, têm potenciado a criatividade de muitos iluminados por esse mundo, com orçamentos curtos mas ambições inflamadas, a levarem a sua arte ao grande público; à fatia do bolo mais sensível a essas experiências. Mas o oxigénio desta utopia de arte e diversão continua a ser a expressão de uma ideia, de um conceito ou projecto, traduzida num disco ou cartucho vendável. A maleita desta indústria continua a privilegiar nomes fortes ou sequelas recicladas, ao invés de projectos interessantes e verdadeiramente inovadores, independentemente da sua origem ou plataforma de destino. Mais, as empresas que interpretam ‘gigantones’ do meio, ficam sempre de barriga cheia em qualquer banquete de exaltação de um título muito esperado, moldando a sua própria imagem pelo caminho e arrastando a tendência comercial do mercado. Concluo que, mesmo existindo um sentido global na indústria de hoje, os criadores e pensadores conceptuais de videojogos continuam ligados a uma determinada parcela da cultura interna do seu país e região. A globalização nos videojogos é, portanto, real, mas muito jovem e um pouco cínica.

Poderá ele tornar-se no próximo grande criativo da indústria?

Poderá ele tornar-se no próximo grande criativo da indústria?

Mas é a cultura japonesa no desenvolvimento de videojogos que me deixa reticente. As palavras de Inaba, admitindo a qualidade superior das equipas ocidentais, sublinham os pontos de interrogação constantes relativos ao estado da indústria naquele país do extremo oriente. A orientação agridoce do desenvolvimento digital nipónico parece rumar a destino incerto, sempre prejudicial aos adeptos mais vincados desta máquina de sonhos. No correr desta década, o problema começa a ser mais notório e perigoso para o futuro do entretenimento japonês. Se é verdade que continuamos a receber pérolas de ocasião, e a louvar o trabalho e ascensão de estrelas cintilantes no panorama criativo, como Suda 51 ou Tetsuya Mizuguchi, também assistimos à queda comercial e perda de valores de estúdios de renome. A alma e imagem externa dos criadores japoneses vibram ao som dos apelos do público-alvo; os consumidores de videojogos estão a transformar o processo criativo nipónico.

Um exemplo prático desta premissa é o muito aguardado Resident Evil 5, da Capcom. Este título (produzido por Jun Takeuchi, que calcou os sapatos directivos da série utilizados pelo lendário designer Shinji Mikami por tantos anos) resume na perfeição a ambição cega e metamorfose forçada de uma série aclamada em todo o planeta.

Lembro-me bem de Resident Evil. Quando joguei o título original, no final de 1997, na Sega Saturn, a minha percepção do terror mudou. Mesmo com a inexperiência e olhos crus de um pirralho com a cara pintada a acne, reconheci uma verdadeira revolução no desenho e mecânica da época. Para além de ter criado um novo género de aventura, o survival horror, Shinji Mikami havia imaginado um mundo tridimensional interactivo e visceral, misturando um conjunto simples de ingredientes: medo, exploração e claustrofobia. Melhor, o título cheirava a novo; toda a experiência era ainda mais gratificante pelo respeito à arte e dedicação tremenda de uma empresa como a Capcom. Claro que o sucesso da série era expectável. Até ao final de 2008, haviam sido lançados dezoito títulos da saga, incluindo alguns que se afastaram da mecânica original e respectivo enredo, para catorze plataformas diferentes. Os carnívoros famintos de Hollywood sentiram o odor a dólares e agarraram a licença, dando origem a três abortos cinematográficos com a insígnia da Umbrella.

Contudo, a Capcom soube interpretar o mercado e gosto alheio. Em 2005, a GameCube viria a receber Resident Evil 4, a primeira sequela directa que desafiaria todo o conceito da série. Embora toda a mecânica de exploração, fechada mas convidativa, tenha sido substituída por um ambiente mais aberto e de acção furtiva, o espírito de Mikami ainda operava cada minuto da aventura. Mas mesmo desenvolvendo o enredo e introduzindo personagens interessantes, a série assumiu uma verdadeira revolução conceptual. RE4 significou uma mudança extremamente saudável, num conceito de jogo brilhante, mas que já marinava no coração dos jogadores á demasiado tempo.
Sem querer dissecar a glória e méritos da obra, que era verdadeiramente divertida, é óbvio que a equipa da Capcom redireccionou o apelo de Resident Evil a um novo público sedento de explosões, e adeptos das maravilhas da pólvora. Este novo caminho, trilhado pelos cabecilhas e teóricos da empresa, reforçou o perigo do cancro expansivo à indústria japonesa; o apego às bases cintilantes de violência gratuita e acção ao quilo, não favoreciam uma indústria com indícios de esquizofrenia.

Chegamos a Março de 2009, o mês de lançamento do citado Resident Evil 5. Alheando polémicas de teor racista, consequentemente patetas e desajustadas à época, o objectivo de Chris Redfield (personagem central do título) é apenas um: destruir toda e qualquer matéria orgânica, tirando partido do arsenal bélico ao seu dispor (que seria suficiente para iniciar uma guerra em qualquer país subdesenvolvido). Claro que o factor medo ainda está presente, mas estamos perante um título de acção visceral, mais longe do survival horror idealizado no passado.
Como adepto incondicional da série, a minha postura perante a obra resume-se numa expressão: ‘Gears of Evil’. Jun Takeuchi é, certamente, o fã primogénito do nosso amigo Cliffy B…

Boom! ... Boom?

Boom! ... Boom?

Sofro de optimismo genético, adoçado com alguma inocência forçada. Por isso mesmo, prefiro desacreditar os profetas da desgraça, acólitos do congelamento de conceitos. Não é esse o foco deste meu alerta escrito. A inovação e criatividade devem ser ideais projectados dentro de qualquer equipa, independentemente da sua posição no globo. Portanto aplaudo uma mudança de cara, quando bem feita. Aliás, tento apenas questionar o método da operação, no que às empresas nipónicas diz respeito. O uso da ‘globalização’ como chavão para pintar todo e qualquer titulo forte a pólvora, será um processo no mínimo questionável.

Serão, portanto, os produtores nipónicos piores que os seus congéneres ocidentais? Claro que não. O problema está na falta de originalidade crescente, e cobardia em aceitar e desenvolver a sua própria cultura e raízes conceptuais. É certo que a emulação de ideias é uma forma de acreditação e apreço, mas foi a diferença que marcou o Japão nas últimas três décadas de entretenimento digital. Compreendo que a indústria do país passe tempos difíceis, tendo caído recentemente para terceiro plano mundial no mercado de consumo, mas nada justifica a perda de valores fundamentais no desenvolvimento e publicação de videojogos.

Talvez seja tempo de avaliar os projectos do presente. Talvez o estereótipo do jogador ocidental não queira andar aos saltos com um porco-espinho bastardo, armado até aos dentes, nem ouvir dez explosões por minuto em todos os jogos de acção. Sinto a falta do espírito, honesto e sem complexos, dos títulos saídos dos Japão nos anos 90. Mais, afirmo que todos sentimos; já contamos com as multinacionais ocidentais para os shooters sangrentos e gratuitos.

O novo império do desenvolvimento nipónico é, por base, inconstante. A navegação entre lucro fácil e projectos sólidos de interesse tem sido algo turbulenta e pouco fortuita. Como apaixonado pela indústria fazedora de arte e ideias, idealizo um futuro criativo liberal, onde a globalização seja real e benéfica para o processo de desenvolvimento. Para o efeito, existe um longo caminho de maturação e afirmação, que terá, forçosamente, de ser percorrido.
Mesmo com um saco carregado de dúvidas e incertezas, estarei atento…

2 Respostas to “O Novo Império.”


  1. 1 Terebi-kun Terça-feira, Março 10, 2009 às 21:13

    “É certo que a emulação de ideias é uma forma de acreditação e apreço, mas foi a diferença que marcou o Japão nas últimas três décadas de entretenimento digital.”

    Só dizer que, se há uma constante no modus operandi da cultura japonesa, é o pegarem nos conceitos de outros países, copiarem-nos o melhor que conseguem e adaptá-los para o que pensam ser o “gosto japonês”.

    É nesta adaptação que normalmente surge a tal diferença que se associa aos jogos japoneses.

    Pode estar a acontecer duas coisas:

    – o que aconteceu com o Resident Evil 5 é a continuação desta prática, e não o conseguimos detectar;

    – ao estar a pensar em fazer jogos para o Ocidente, a parte da adaptação é feita tendo em conta o “gosto ocidental” e não o “gosto japonês”; O que não quer dizer que não deixe de ter “diferenças”. Por exemplo, a Crimson Viper do Street Fighter IV foi criada por japoneses, a pensar no publico ocidental. O que é que acharam dela?

  2. 2 Daniel Costa Sexta-feira, Março 13, 2009 às 19:44

    Esse exemplo é muito especifico ao Universo de Street Fighter. Todo o conceito de “World Warrior” presume a criação de personagens que assimilem a cultura do respectivo país. El Fuerte “é o México”, como Ken foi o ‘pretty boy’ genérico americano, nos anos 90.

    Concluo que, enquanto SFIV é, de facto, pintado a tinta japonesa com inspiração internacional, RE5 é mais que isso, neste tópico. É um sintoma.

    Mas, para o registo, adorei a C. Viper! 😉


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