A Sonic Team é mais que a representação corporativa duma utopia digital dos anos 90. Para além dos créditos relativos à identidade actual de Sonic, o estúdio, com ligação umbilical à SEGA, imaginou alguns sonhos que espantaram o mundo. Entre algumas pérolas perdidas, num oceano de coral banal e descaracterizado, destaca-se a obra maior do estúdio nipónico, na Sega Saturn. NiGHTS Into Dreams foi um projecto baseado numa simplicidade utópica, diferente dos demais e abençoado pela Sonic Team. Recorro frequentemente às palavras sonho e utopia para descrever NiGHTS . A argumentação é sustentada pelo espírito único e virtuoso da obra, e pelo enredo e cenário apresentados. Embora NiGHTS não prime pela melhor competência directiva do guião, a apresentação do mundo de Nightopia é convincente e emocionante. NiGHTS transporta o jogador ao imaginário de duas crianças, Claris e Elliot, enquanto oferece um verdadeiro banquete de cor e sensações ímpares.
É complicado avaliar NiGHTS; não existe um termo comparativo no mercado actual, cheio de sangue medido ao litro e apresentações monocromáticas. NiGHTS é uma aventura diferente de raiz; o resultado da criatividade inovadora de quem imaginou a obra. Voamos por níveis segmentados, recolhendo as orbs necessárias para completar o estágio em causa. A personagem central, Nights, assume-se como a interpretação dos sonhos de Elliot ou Claris, esvoaçando liberdade e magia pelas diferentes paisagens presentes na obra. Aliás, o jogo é (re)conhecido pela liberdade e elegância dos movimentos e simplicidade de execução dos mesmos. Na verdade, a Sonic Team concebeu um ideal, uma estrutura sem adjectivação possível. NiGHTS é uma aventura livre horizontal, pincelada com design inspirado e personagens memoráveis. Como nas melhores obras da Nintendo (The Legend of Zelda, Super Mario Bros.) os actores da demanda engrandecem-se com silêncio, estando a palavra e a voz relegadas para segundo plano.
A glória maior de NiGHTS jaz adormecida na alma do jogador. O título de 1996 esconde o poder de escolha num quadro pintado com uma mecânica democrática – o jogador sente-se livre para completar os anéis laranja dispersos pelo cenário. Melhor, o sonhador digital sentir-se-à desafiado pela dificuldade robusta do título, mas satisfeito por derrotar os vilões de circunstância.
Kazuyuki Hoshino, artista lendário da Sonic Team que imaginou a dualidade do sonho e pesadelo de NiGHTS, devia ser sujeito a avaliação psicológica. A ambiguidade conceptual de NiGHTS transparece medo e terror, dignos dum pesadelo, e o ambiente leve e feliz característico dos sonhos. Mas uma das maiores vitórias da Sonic Team com NiGHTS, está no aspecto infantil aparente da obra. O jogo consegue ser charmoso e apelativo para os adeptos imberbes, carregados de acne, e um verdadeiro objecto de estudo para os maratonistas sazonados da indústria.
O pacote audiovisual de NiGHTS confirma a magia e imaginação fértil dos artistas envolvidos no projecto. Cada minuto passado ao comando da saudosa Sega Saturn é um deleite para os olhos e ouvidos do jogador. A sonoplastia, a cargo dum trio talentoso de compositores japoneses, será o melhor exemplo da utopia criativa da SEGA, na década passada. Arrisco pensar que NiGHTS apresenta algumas das melhores faixas musicais a abençoar um videojogo, desde o seu lançamento. A música completa a acção no ecrã, transportando o jogador a mundo muito próprio – ao referido sonho maior da Sonic Team.
Mais recentemente, NiGHTS foi reeditado para PlayStation 2 (apenas no Japão), e teve direito a uma sequela na Wii. Journey of Dreams foi uma aventura dúbia na consola da Nintendo, com a marca d’água da SEGA. Mas foi na Sega Saturn que nasceu o mito, a lenda de NiGHTS. A obra maior de génios criativos como Yuji Naka e Naoto Oshima ecoa magia numa época pálida em originalidade e demasiado comercial. Ao leitor mais alheio aos méritos do passado dos videojogos – dê uma oportunidade a este sonho da Sonic Team. Ganhará em alma e felicidade.
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