Existem várias receitas para adornar o coração do jogador mais apaixonado, sempre decalcadas do prazer que sente ao ser projectado num mundo digital. A Sony, casa-mãe dos vendedores a retalho mais confusos da geração corrente, tem viajado por circuitos apertados e atalhos dúbios até ao bolso do consumidor comum. A demanda da empresa nipónica rompeu um casamento feliz com os lugares cimeiros do lucro gordo, mas traçou uma visão ideológica assente em bases sólidas. A marca PlayStation tem dançado nas bocas e canetas dos críticos mais acérrimos, por isso a conferência da Sony na E3 deste ano estaria destinada a uma combinação de evidências e truques de feira; aqueles que convidam o olhar mas sabem a pouco. Ora, bem acomodado na minha cadeira, isenta de expectativas ou qualquer espectáculo de humor reminiscente do passado recente, assisti a duas horas de surpresas. Ao leitor com mais apego a qualquer outra multinacional abastada – a Sony continua grande na contenda da indústria.
Jack Tretton, cabecilha da SCEA, liderou a apresentação na arena californiana, como tinha feito no ano passado. A simpatia e bom karma do homem renderam gargalhadas espontâneas e bom estar entre os espectadores; toda a conferência teve um espírito informal e dedicado, mesmo ao meu gosto. Antes de tributar a saudosa (volta, por favor!) PS2, Jack fez questão de sublinhar a grandeza do ano 2009 para a PlayStation 3. Nomeando Ratchet and Clank Future: A Crack in Time, Heavy Rain, Modern Warfare 2 e Beatles: Rock Band, Tretton reforçou a importância da PS3 na sala de estar de milhões de famílias. Mas ainda faltava uma peça para rodar o puzzle. A máquina negra da Sony merece o blockbuster fácil, o título de acção cinematográfica mais aguardado entre os adeptos da exuberância visual e experiências de dentada fácil. Entra em palco um representante da (lendária) Naughty Dog para demonstrar os méritos de Uncharted 2: Among Thieves. O ecrã gigante da sala é preenchido por uma mescla de tons sujos e beleza urbana. Independentemente da qualidade da mecânica, Uncharted 2 apresenta um nível de detalhe notável e quase arrepiante. Os modelos tridimensionais das personagens, as texturas suaves e convincentes, o cenário policromático e a aparente sensação de adrenalina são suficientes para convencer o mais conservador dos entusiastas. Não toquei na obra, portanto não sei me vou divertir ao explorar aquele mundo, mas a sequela de Uncharted deixou-me espantado com o trabalho técnico do estúdio que imaginou Crash Bandicoot. Muitas palmas e alarido, portanto.

A melhor fatia do bolo estava guardada para o fim da festa...
De seguida, foi a vez de MAG, o ambicioso projecto da Zipper Interactive ostenta uma premissa única – juntar 256 jogadores, em tempo real, num campo de batalha na primeira pessoa. Este shooter tem tudo para conquistar a atenção dos interessados, já que parece cumprir à risca a ideia dos criativos da Zipper Interactive. Para além do filtro pintado a castanho, que parece colorir quase todos os títulos entupidos com testosterona, não apontei qualquer problema à obra destinada à PS3. Mas a o brilho maior desta palestra esteve na entrada de Kaz Hirai (não resisto; “It’s Riiiidge Racer!”) em cena. O reconhecido líder da SCE apresentou-se menos confiante que habitualmente, quase mecânico, recorrendo em demasia ao teleponto e sorrisos de ocasião. De qualquer forma, Hirai-sama exibiu o futuro do jogo portátil da Sony. Sem grande surpresa, Kaz demonstrou a PSP Go – o novo equipamento derivado da PSP original. Com linhas muito actuais e apelativas, a PSP Go propõe-se a fatiar (ainda mais) o mercado, tendo o comércio digital como trunfo. Não se revê nos pequenos discos UMD, caro leitor? Ou talvez pense que esse formato não faz bom par com a sua carteira. Nada tema – a Sony fez questão de desenvolver esta peça de hardware especificamente para os amantes do download. Todos os títulos que forem distribuídos sobre o formato PSP, a partir do lançamento da PSP Go, estarão disponíveis em formato físico e digital. Desta forma, a empresa assegura o apoio contínuo à PSP-3000 e PSP Go. Brilhante? Talvez, tendo em conta o preço convidativo da consola – 250€. Para além disso, a PSP Go será um paraíso multimédia portátil. Excitante. Sim.
Kazunori Yamauchi. Gran Turismo. Ficará preso a este parágrafo com estas quatro palavras, caro leitor? Provavelmente sim. Há muito que todos esperamos ansiosamente por mais feitos de condução vindos da Polyphony Digital. Ora, a chegada do mentor de Gran Turismo, Yamauchi, ao palco da Sony garante, pelo menos, expectativa e emoção automóvel para os minutos seguintes. Com a ajuda de um tradutor bem recursivo (trazia um bloco de notas), Yamauchi lá conseguiu apresentar Gran Turismo PSP. Com uma PSP Go novinha em punho, o criativo japonês admitiu à plateia que o título correria a 60 frames por segundo; realmente fantástico e ambicioso. Mais, Kazunori fez questão de explicar que Gran Turismo PSP será uma experiência completa, e não um título lateral à lendária série de condução. Com 800 veículos e 35 pistas, nem me atrevo a discutir a ideia. Gran Turismo PSP estará disponível no primeiro dia de Outubro, para acompanhar o lançamento da PSP Go. Bravo!
Com tanto destaque em tão pouco tempo, a PSP terá ganho mais interesse à luz criativa de Yamauchi. Mas, por onde anda o traidor favorito de Tretton e Hirai? Estará escondido numa caixa de cartão, contando dólares na algibeira? Nada disso; Hideo Kojima fez questão de se apresentar no teatro de sonhos da Sony, qual soldado! O génio maior da montra da Konami deliciou multidões com uma surpresa animadora – Metal Gear Solid: Peace Walker. A obra expandirá o (mítico) enredo da saga, para além do destino de Big Boss em Metal Gear Solid 3: Snake Eater, assumindo-se como a verdadeira sequela do título PlayStation 2. Pelo anúncio de Kojima, e pelo magnifico trailer exibido, parece que Peace Waker contribuirá com alguns tijolos para o painel maior de Metal Gear; uma história emotiva e complexa que marcou o escriba de serviço. Peace Walker será um exclusivo PSP e, acreditando na palavra de Hideo, uma peça relevante e ousada no Universo Metal Gear. Pela premissa apresentada no ecrã, carregada de conspiração politica internacional, sinto-me tentado a concordar. Sabendo que será o próprio Kojima a elaborar o enredo, e que grande parte da equipa de desenvolvimento de MGS4 está envolvida no projecto, já assinei a declaração de intenções – Metal Gear Solid: Peace Walker será mais um doce para alma dos aficionados. Mesmo em formato portátil. Mas ainda não acabou. O bailado de obras de interesse para a PSP continua a exibir-se na Califórnia. Para além da breve referência a Resident Evil Portable, suficiente para acelerar o meu frágil ritmo cardíaco, a Sony apresenta imagens de títulos como Jak & Dexter, Soul Calibur e LittleBigPlanet. O mercado da pequena conquista portátil da marca japonesa vai, com certeza, ganhar interesse e seguidores.
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Jack Tretton, que havia louvado os méritos da Sony com números de vários zeros, apresenta a nova aposta da Rockstar North. Segundo as palavras do executivo norte-americano, Agent será um título muito semelhante à maior vitória da Rockstar, Grand Theft Auto, com inspiração nos anos ’70. Sem brotar grandes detalhes, Jack apenas confirma a exclusividade do projecto na PS3. Com o público bem quente, ainda intrigado com Agent, Tretton apresenta dois convidados da Ubisoft. Enquanto o primeiro cavalheiro cumprimenta os presentes, o colega demonstra Assassin’s Creed II, na PlayStation 3. Ora, para o registo, louvei cada conquista da equipa de Jade Raymond no trabalho original, mas Assassin’s Creed não me cativou. Talvez pelo ambiente castrador, ou pela palete de cores quase estéril, mas não me diverti ao comando de Altair. Contudo, sublinho, reconheço o mérito criativo da Ubisoft Montreal. Assassin’s Creed promovia a liberdade de execução num palco convidativo à exploração. A sequela parece seguir essa mesma directriz. No início da demo, vemos Ezio, o novo protagonista do enredo, a pairar sobre a noite da Veneza do renascimento. Sustentado pela infame criação voadora de Da Vinci, Ezio demonstra a beleza estrutural da obra da Ubisoft; a arquitectura da cidade italiana quinhentista emana magia e tentação em cada esquina. Todo o departamento estético parece irrepreensível. A sensibilidade artística dos trajes das personagens, a certeza no traço dos edifícios e a luminosidade na água transparecem talento e devoção duma equipa, certamente motivada pelo sucesso comercial do título anterior. A mecânica de combate e assassínio de Assassin’s Creed também sofreu um incremento técnico notável. O camarada que passou minutos a demonstrar a obra fez questão de exibir as duas lâminas de Ezio, que podem eliminar dois adversários duma só vez. Mais, será possível roubar as armas aos atacantes durante um combate, tornando a luta num exercício mais natural e recursivo. A conclusão é óbvia; Assassin’s Creed II surpreendeu-me positivamente, estando no caminho certo para encantar os adeptos da obra original e os novatos no franchise da Ubisoft. Pela segunda vez nesta conferência, aplaudi efusivamente os artistas em palco.
Num pequeno segmento, totalmente dedicado aos esforços da Square-Enix, Jack Tretton oferece-nos uma pequena previsão de Final Fantasy XIII. O título maior do catálogo da Square-Enix, que também estará disponível nas Xbox 360 ocidentais, apresenta-se num trailer bem formoso, recheado com pérolas do enredo e exaltação da mecânica de combate. Nada de realmente diferente, relativamente ao que tinha visto na conferência da Microsoft, mas uma colecção de imagens bem apelativa que desbloqueou lágrimas de ansiedade a muitos espectadores. Enquanto não chega o dia em que poderei comprovar os méritos de Final Fantasy XIII, a Sony espantou o mundo ao anunciar… Final Fantasy XIV, exclusivamente para a PlayStation 3. Nessa altura, o meu queixo quase roçou o chão, enquanto olhava para o palco com ar desacreditado; este anuncio parecia desapropriado e quase impensável. Quando Tretton jurou que a obra estaria disponível em 2010, fiquei desconfiado. Quando as imagens em GC começaram a rodar no ecrã gigante, a ilusão diluiu-se no rio do realismo. Final Fantasy XIV Online… será um novo mundo, projectado pelos pensadores da Square-Enix, para ser desfrutado em rede. A desilusão entre os presentes é óbvia, mas prefiro reforçar o optimismo – são dois títulos com enorme potencial, lançados para o mercado num curtíssimo espaço de tempo. Como adepto do trabalho lendário da Square-Enix, fico entusiasmado com a capacidade de Kitase e companhia. Além disso, a Sony conquista pontuação bónus no jogo da exclusividade, captando (novamente) a atenção dos fieis de Final Fantasy. Ah… a felicidade que o Iene pode trazer aos amantes do entretenimento digital…
Já escrevi as minhas ideias sobre o Project Natal, apresentado pela Microsoft na E3 deste ano. Continuo a louvar o potencial da criação da empresa de Seattle, mas sublinho as reticências relativas à abordagem ao consumidor-alvo. A Sony, tentando garantir o bilhete para esta viajem de evolução forçada, prefere explorar outro caminho, na mesma estrada. O sistema de controlo para PS3, demonstrado no palco de Los Angeles, tenta simbolizar a evolução do projecto Eye Toy para os dias vindouros. Através da câmara PlayStation Eye, o jogador pode enviar informação motora para o ecrã, de forma verdadeiramente precisa e interactiva, segurando um controlador cilíndrico. Essa informação é tratada num ambiente tridimensional, ajustando os movimentos do entusiasta digital à acção no ecrã. Durante a demonstração deste acessório, a Sony fez questão de exibir algum músculo técnico através de exercícios como tiro ao alvo e luta de espadas. Sem querer traçar qualquer paralelismo com o Wii Remote da Nintendo, a Sony tenta desenvolver um projecto estável e suficientemente apelativo para os adeptos dos épicos mediáveis e tenistas de sofá; a tecnologia permite, de facto, sonhar com interacção visceral e excitante. Para o registo, adorei o tom devoto e apaixonado que os camaradas da Sony expressaram aquando a demonstração em palco. Mas o meu cepticismo continua incurável. Como na análise ao Project Natal da Xbox 360, questiono a obsessão (quase absoluta) de todas as entidades do mercado na tentativa de ‘facilitar’ o acesso aos videojogos. Correndo o perigo de cair na redundância, pergunto-me se bailar efusivamente ao comando de 10cm de plástico será o preludio para a nova era do entretenimento digital. Mas enfim. Lá aplaudi o esforço da Sony, que, sublinho, demonstrou potencial e interesse em força. O lançamento para o mercado deste novo esquema de controlo está previsto para a Primavera de 2010.
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Chegou a hora dos génios da indústria. Fumito Ueda, criativo maior dos estúdios de desenvolvimento da Sony, emocionou a audiência mundial da E3 com um trailer detalhado de The Last Guardian, o mais recente projecto da equipa responsável pelos lendários Ico e Shadow of The Colossus. Enquanto via imagens pintadas a ouro, com excitação da paisagem verde e o tremor das ruínas doutrora, acompanhei os restantes espectadores numa jornada de 4 minutos ao imaginário de Ueda. O ambiente da obra promove uma relação quase umbilical entre as duas personagens presentes na demanda: um rapaz trajado de branco e laranja e um colosso alado. A criatura ficcional emana a criatividade de Ueda por todos os poros digitais; um monstro dotado de emotividade e animação motora simplesmente inacreditáveis. Cada movimento da criatura de The Last Guardian gerou um calafrio no escriba de serviço, um tremor com epicentro na alma. Aliás, todo o trabalho de Fumito Ueda parece espelhar o imaginário dum criativo maior, dum homem marcante na nossa indústria. A explosão de criatividade audiovisual presente em The Last Guardian oferece um festim genial, apoiado pelo potencial técnico da PlayStation 3. Desde as plumas do colosso (que parece um cruzamento proibido entre um gato e um cachorro) ao detalhe do cenário da aventura; tudo roça a perfeição técnica e artística. The Last Guardian foi, sem qualquer dúvida, a apresentação que mais me impressionou na E3 deste ano. Ora, ainda a limpar a cara duma ou outra gota de… humidade, Jack Tretton decide fechar a conferência da Sony com chave de ouro – a demonstração em tempo real do (muito) aguardado God of War 3. A terceira parte do genial titulo de acção dos estúdios da SCE Santa Monica apareceu em grande forma, na arena californiana. Na curta demo em montra, Kratos forçou os trunfos técnicos da PS3; God of War 3 já apresenta uma mecânica em avançado estado de maturação técnica. Para além dalgumas novidades no departamento bélico, como o arco e flecha, fiquei espantado (e ainda mais ansioso) com a qualidade das texturas dos monstros mitológicos da obra. A animação de criaturas como um centauro e uma quimera está, no mínimo, fascinante. Embora a prova de competências tenha sido demasiado curta para qualquer avaliação mais detalhada, a escala épica e gigantesca da criação de David Jaffe continua a ser a bandeira mais imponente no mastro de ofertas de God of War 3. Em suma, The Last Guardian e God of War serviram como uma anestesia de sonho para os amantes da arte digital. Que maravilha!
A Sony encantou multidões com esta montra de emoções. No palco maior dos videojogos, a empresa nipónica conseguiu ascender o apelo do seu jogo a cumes de interesse inéditos; nunca estive tão interessado no catálogo de sonhos digitais da PS3 e PSP. Para além da apresentação dum novo modelo portátil, esta vitória honrou os traços de génio do quadro criativo actual. Hideo Kojima prometeu o mundo com Metal Gear Solid: Peace Walker, Fumito Ueda entregou a alma a The Last Guardian e God of War 3 espantou todos os espectadores. Embora tenha vibrado com várias propostas da Nintendo e Microsoft, não esperava saltar tantas vezes da cadeira durante a palestra da Sony. Aplaudo a atitude descontraída, mas apaixonada, de todos os oradores da apresentação. A prospecção do futuro do entretenimento digital da Sony mostrou saúde, interesse e inovação, seguindo as linhas de desenvolvimento traçadas no início desta geração. Enquanto os analistas comerciais preferem sublinhar as dúvidas sobre a aceitação do mercado, prefiro louvar a arte e devoção das propostas em montra. Foi, indiscutivelmente, uma exibição brilhante da Sony.
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1 Resposta to “E3 2009 – Sony – Traços de Génio.”