1 de Junho de 2009. A arena da maior feira de videojogos do planeta pinta-se de verde lima para anunciar a boas novas do panorama criativo da Microsoft. A descendência digital da gigante norte-americana ganha milhões de adeptos e sonhadores pelo mundo; a Xbox 360 é o centro das atenções na Califórnia. Rodeados por uma plateia ansiosa por novidades que a sustente, os executivos engravatados da Microsoft dão inicio ao desfile de personalidades vestidas de verde de ocasião. Os primeiros notáveis a pisar o palco foram Ringo Starr e Paul McCartney. As duas lendas, um pouco constrangidas e fora do seu habitat natural, louvam os méritos de The Beatles: Rock Band. A surpresa do momento, contudo, foi a presença de Yoko Ono no palco de Los Angeles. A aposta é certeira, já que a obra transporta os melhores momentos dos rapazes de Liverpool até à geração digital corrente. Sei que o mercado abraça calorosamente títulos como Rock Band, mas não fiquei especialmente entusiasmado. Mas, aos apaixonados pela música de sofá – está tudo no bom caminho.
John Schappert, figura de proa nas palestras da Microsoft, iniciou a sua intervenção com a elegância escondida no bolso; o homem fez questão de referir que não veríamos gráficos e tabelas a passear pelo ecrã gigante. A gargalhada é geral, especialmente para quem (como eu) assistiu à conferência semi-deprimente da Sony no ano passado. Com o espírito em alta, Schappert eleva a minha fasquia ao máximo – serão apresentados dez (!) títulos nunca antes vistos. A palestra prossegue com um ícone do desporto radical, Tony Hawk. Para o registo, dediquei mais horas a Tony Hawk Pro Skater 2 e 3 que à minha namorada de então. Mas não interessa; ainda consigo fazer uma pontuação de dez milhões num só combo! Tudo bem, é mesmo deprimente. Talvez isso justifique a sensação agridoce aquando a apresentação de Tony Hawk: Ride. O skater lendário apresenta ainda uma prancha interactiva que, supostamente, trará um novo sentido realista à série da Activison. Tenho de assumir a minha postura céptica em relação ao dispositivo. Ainda é muito cedo para comentar o projecto, mas esta achega a outra fatia do mercado pode descaracterizar a série de vez. A ver vamos…

"Raiders of the new found gold."
Uma das apresentação mais impressionantes da tarde (ou manhã, em L.A.) ficou a cargo da Infinity Ward. A amostra jogável de Modern Warfare 2 encheu o ecrã gigante da arena Californiana com neve e muito metal bélico. Call of Duty 4 ainda é um dos títulos favoritos dos utilizadores pagantes do serviço Xbox Live; a sequela vai decididamente agradar aos adeptos dos shooters ocidentais. Embora não pertença ao clube de fãs da Infinity Ward, reconheço o potencial de Modern Warfare 2. O segmento em que jogador controla um snow mobile foi, de facto, impressionante e apelativo. A mecânica parece fluída e acessível, mas técnica, e o ambiente frio do cenário foi suficiente para ganhar o meu aplauso tímido. John Schappert fechou a palestra dos senhores da Infinity Ward com uma frase bem apropriada: “Infinity Ward has once again outdone themselves”. Parece que sim.
O espectáculo da Microsoft chegou a um momento de catarse para o escriba de serviço – entram em cena Yoshinori Kitase e Motomu Toriyama, produtores e cabecilhas do projecto Final Fantasy XIII. Ora, enquanto espero pela tradução do japonês aberto dos camaradas da Square-Enix, aprumo as minhas preces por ver, finalmente, Final Fantasy XIII em acção na Xbox 360. A demonstração é rápida mas conclusiva – Final Fantasy XIII é um dos poucos títulos que ainda me fazem salivar. Vi uma batalha apressada, mas representativa da mecânica de combate do jogo. A mescla dos clássicos combates por turnos com algo de novo, picante e até polémico, encaixa na premissa inovadora de qualquer série. Contudo, caro fanático por tudo o que tenha ‘Final Fantasy’ no título, sou suspeito. Final Fantay XII é o meu favorito na saga da Square-Enix, portanto continuo receptivo à proposta mais recente da companhia nipónica. Ainda em relação ao trailer e sequência de combate apresentados por Toriyama e Kitase, notei alguma compressão nas texturas das personagens. Talvez seja o meu olho sazonado a pregar a partida do ano, mas não há milagres; o cepticismo dos utilizadores Xbox 360 continua a assentar na limitação do formato físico dos jogos. A tradução do (gigantesco) Blu-Ray para um DVD da velha guarda pode dominar as conversas de café vindouras. As dúvidas desaparecerão na Primavera de 2010.Vodpod videos no longer available.
O que seria duma apresentação Xbox 360 sem a presença do candidato a realizador de Hollywood, Cliff Bleszinski? Uma tarde mais agradável para mim, mas um pesadelo para quem já acabou Gears of War 2 dez vezes. O homem, que detesta ser tratado pelo diminutivo, veio a Los Angeles apresentar Shadow Complex, um título de acção exclusivo para o Xbox Live Arcade. Cliffy B, ostentando uma camisola com a imagem de Bill Gates, disse que Shadow Complex seria semelhante a Metroid e Castlevania. Nesse momento, não contive o riso. Ao assistir à demonstração em tempo real, vi uma réplica enfadonha de Bionic Commando e Contra, com estrutura própria da Epic Games. Enfim, serão 30 horas de jogo na campanha, para experimentar no Verão. Para o registo, o único apontamento de interesse que tirei nesta parte da conferência foi: “Cliffy B tinha um penteado fantástico!”. De seguida, foram apresentados Joy Ride, um racer gratuito com avatars, e o esperado Left 4 Dead 2 que sairá dia 17 de Novembro. Crackdown 2 também foi referido como um exclusivo Xbox 360. Bravo.
As honras de anti-herói da tarde foram para Sam Fisher, personagem central do aguardado Splinter Cell: Conviction. Mazime Beland e Alexandre Parizeau, da Ubisoft, apresentaram uma versão inicial do jogo onde Sam deixa fugir o seu lado negro. Embora o título não seja estranho para o público as reacções foram positivas e entusiastas. Splinter Cell ganhou um lugar na luz maior da indústria por mérito da Ubisoft, que recriou o género stealth à sua imagem. Mais, o título já apresenta requisitos técnicos de requinte, com efeitos de luz e transparência oriundos dum motor poderoso e elástico. Apenas espero que a mecânica de jogo acompanhe o tributo audiovisual a que assisti. Aplaudo a Ubisoft por mais uma proposta ambiciosa, que será exclusiva no catálogo Xbox 360. Splinter Cell: Conviction estará disponível ainda este ano nas prateleiras. Forza Motorsport 3 foi revelado e confirmado para Outubro deste ano. Para além de algumas silhuetas de automóveis, apenas foi confirmado que o jogo correrá a 60 frames por segundo. Adrenalina e emoção para os fãs das quatro rodas digitais, portanto.
A galinha dos ovos de ouro da Microsoft nesta geração, a Bungie, demonstrou Halo 3 ODST e ainda apresentou Halo Reach, uma prequela do título original. Poderia debitar a pior critica aos dois títulos neste texto, mas é irrelevante. Se está a ler este parágrafo e adora Halo, jogará Halo 3 ODST e Halo Reach. É tão simples quanto isso. Contudo, os meus olhos preferiram desviar a atenção para Alan Wake, o título sombrio da finlandesa Remedy. Assisti a uma apresentação tímida dos méritos do jogo, mas suficientemente apelativa para elevar o meu nível de interesse. Sublinho, o ambiente é muito sombrio e quase desconfortante, mas aposto em Alan Wake para surpresa do próximo ano. A obra estará disponível na Primavera de 2010. Nota positiva também para a parceria da Microsoft com o Twitter, Facebook e Sky. Lá diz o ditado milenar; se Maomé não vai à montanha…
Finalmente, chegamos ao melhor (e maior) momento da tarde, capaz de ferver o sangue do seu escriba de serviço. Quando vi São Hideo Kojima entrar no palco mais requisitado da indústria senti aquela agitação incómoda; as borboletas na barriga como vêm descritas nos romances. Curioso, de repente, estava nervoso sem razão aparente. Mas o mestre criativo da Konami sabe o impacto que sua aparição teve entre os consumidores Xbox 360. Será que o velho Solid Snake vinha fazer a sua última viagem na consola da Microsoft? Não. Nada de Solid Snake. Kojima, Don Mattrick, eu e milhões por esse mundo assistiram ao teaser de Metal Gear Solid: Rising, com o malfadado Raiden no papel principal. Lembra-se do célebre countdown da Konami? Está desfeito o mistério. Hideo Kojima anunciou que Metal Gear Solid: Rising está em desenvolvimento para Xbox 360, mas, infelizmente, nem fumo dos Patriotas. Metal Gear Solid 4 fica arrumado na prateleira PlayStation 3, de vez. Ironicamente, o subtítulo de Rising é “Lightning Bolt Action”. Mesmo sem muita informação sobre a obra, vou render a minha aposta – vem ai um slasher/beat’em’up do estúdio de Kojima. Imagine Ninja Gaiden com esteróides e humor típico da série Metal Gear. Rising poderá ser a rendição de Hideo no planalto verde da Microsoft. Estou entusiasmado, mas forçosamente cauteloso…
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Por fim, a apresentação mais simbólica da Microsoft actual – Project Natal. Para limpar as graças relacionadas com o vernáculo lusitano, não vou recorrer à piada fácil com o nome do projecto. Aliás, Natal é mesmo quando um homem quiser. Pronto, chega. Natal será o materializar da visão abrangente da Microsoft, uma utopia jogável sem limites demográficos ou apelo especifico. Wii? Eye Toy? Passado, fosseis duma indústria que anseia por evolução e criatividade fresca. Project Natal promete quebrar a última barreira entre o mundo de sonhos dos videojogos e o mais comum dos mortais – a forma de interacção com a máquina. Recorrendo a uma câmara sensorial, o jogador verá todos os seus movimentos corporais e expressões faciais reconhecidos no ecrã. Por exemplo, poderemos pintar uma tela artística com as próprias mãos ou interagir com uma personagem digital de forma quase orgânica. Peter Molineux, candidato a divindade da LionHead, apresentou e explicou a potencialidade do Natal para o futuro da indústria. Num segmento curioso, uma efectiva do estúdio liderado pelo criativo inglês ‘conversou’ e interagiu com um rapaz digital do outro lado do ecrã. A tecnologia parece, de facto, espantosa e visceral. Na introdução desta nova forma pensar videojogos da Microsoft, o emblemático realizador de cinema Steven Spielberg utilizou uma frase interessante para explicar a evolução da interacção digital: “It’s not about reinventing the wheel, it’s about no wheel at all”. Mas será que a roda que ainda temos, carregada de história e orgulho criativo de décadas, é um entrave ao interesse de mais consumidores? Digo que não. Embora reconheça todo o potencial de Project Natal, continuo a considerar que um botão analógico e quatro botões de face coloridos não representam o quebra-cabeças, coroado com um sinal de STOP, para os alheios aos videojogos. Não seria mais interessante apostar primeiro na educação e explicação dos méritos dos sonhos que a indústria vende ao mundo? Qualquer pessoa compreende o conceito de pressionar A para saltar, X para atacar e B para defender. Trata-se dum defeito de marketing, uma falha hereditária na divulgação desta arte a uma geração assustada pelo novo e diferente. Até a Nintendo, com os seus milhões de Ienes ganhos nesta geração, reconhecerá que o seu revolucionário Wii Remote não tem inspirado muitos criativos. A maior parte dos títulos que recorrem ao Wii Remote são experiências formatadas para esse ambiente, e não RPGs épicos ou jogos incrivelmente diferentes. Na verdade, completar um nível de Super Mario Bros. é tão divertido hoje como há vinte anos atrás por uma única razão – é muito divertido. Estaremos a comandar legiões com os dedos ou com o botão direccional no futuro? Apelando à sensibilidade dos artistas envolvidos, digo que é indiferente.
A apresentação ambiciosa do Project Natal acaba por revelar a agressividade competitiva da Microsoft na nossa indústria. A empresa norte-americana prefere atacar todos os mercados de consumo criando uma imagem forte pelo caminho. Na E3 deste ano, vimos uma plataforma saudável, recheada com títulos fortíssimos e apostas de qualidade. Mas conseguirá a Microsoft dominar todo o campo demográfico dos potenciais consumidores de videojogos? Tentar engolir simultaneamente o campo de jogo da Sony e Nintendo poderá tornar-se num processo dantesco. Aliás, recorrendo à metáfora de Spielberg, o Project Natal, com todo o potencial e mérito que mostrou, poderá tornar-se na ‘roda quadrada’ da Microsoft.
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“Até a Nintendo, com os seus milhões de Ienes ganhos nesta geração, reconhecerá que o seu revolucionário Wii Remote não tem inspirado muitos criativos.”
Acho que estás a ver a coisa ao contrário (embora não totalmente).
Apesar de “supostamente” algo diferente originar coisas diferentes, o wiimote mais coisas novas criadas ou mais ou menos gente inspirada, a sua “cena” é que pessoas preferem (estão a preferir — maioritariamente entenda-se) o “movimento” do wiimote.
Ou seja, do ponto de vista do consumidor (que é o mais importante) não lhe interessa assim tanto o que de novo o wiimote trouxe, mas mais poder interagir de forma diferente.
É como eu vejo a cena 😉
Mas então estamos de acordo, Mr. Abul.
Deixa-me alargar o excerto que copiaste:
“(…)A maior parte dos títulos que recorrem ao Wii Remote são experiências formatadas para esse ambiente, e não RPGs épicos ou jogos incrivelmente diferentes. Na verdade, completar um nível de Super Mario Bros. é tão divertido hoje como há vinte anos atrás por uma única razão – é muito divertido.”
É verdade que o consumidor prefere esse tipo de controlo, mas, no fundo, o resultado criativo final não tem sido muito diferente. Por isso mesmo, o que era bom no passado não fica necessariamente melhor quando aportado no Wii Remote. faCto! 😉