Vivemos numa era conturbada. O mundo luta diariamente contra os feitos do capitalismo, chorando a perda de milhares de postos de trabalho. Por consequência, a indústria automóvel começa a regurgitar milhões de coroas investidas; o caos é extensível a todos os fabricantes. Ora, sem grande mapa até ao sucesso certo, a norte-americana Chrysler tentou conquistar uma nova geração de possíveis clientes – a criançada enfeitiçada pela magia dos videojogos. E porque não? Num ponto de vista meramente comercial, a construtora investiu num esforço digno (mas trágico) para exibir as suas carroçarias do passado a uma nova colheita de entusiastas dos motores. Sendo justo, afirmo que essa premissa, pelo menos, foi cumprida. Chrysler Classic Racing traz grande parte do portefólio de construção da marca até à máquina branca da Nintendo. Ao leitor mais fanático pelas correrias no asfalto doutro tempo, uma palavra de consolo – conclua o seu interesse pela obra no final deste parágrafo. Tendo passado um par de horas na tortura do jogo em teste, oferecido pela Zoo, aviso que as palavras mais tolerantes ficarão por aqui. Chrysler Classic Racing é um desastre tragicómico, em todas as vertentes.
Ainda está por aqui? Muito bem, “a curiosidade matou o gato”, lá dizia o outro. Poderia empregar o seu valioso tempo noutras actividades, bem mais divertidas que Chrysler Classic Racing. Uma sugestão – aprenda a cozinhar sushi. A sério. É relaxante e produtivo, e o resultado final acaba por ser divino no paladar. Também pode aproveitar o Verão para correr a costa portuguesa, enquanto disputa uma partida de futebol de praia, por exemplo. Acredite, não fosse a responsabilidade pelo oficio, já estaria noutra onda. Ironicamente, escrever sobre Chrysler Classic Racing é bastante mais divertido que tocar na obra. Mas estou a adiar o inevitável; eis o resumo, em forma de relato, da minha aventura com o título da Zoo:
– Recebo o disco para análise, fico inquieto com o trabalho de arte na caixa.
– Depois de introduzir o DVD na minha Wii, começo a verter a primeira lágrima. A culpa é do menu desinteressante e quase amador.
– Criando a minha conta no jogo, noto que não existe suporte para Mii’s. Ao invés, a minha alma cai no chão quando assisto à introdução cinematográfica do enredo (sim, há um guião).
– Lembro-me do quanto me diverti a brincar com plasticina, na minha infância. A animação em montra é um aborto forçado, resultante dum péssimo trabalho conceptual e do paupérrimo músculo técnico do jogo.
– Entro, finalmente, numa corrida. Abano o Wii Remote umas quantas vezes. Chego a meio da pista, desligo a consola.

É tão divertido como parece...
Mas o pior ainda estava para vir. Não seria justo apresentar este relatório de emoções ao leitor mais fiel; tinha de dissecar o código de Chrysler Classic Racing (CCR). Armado com vários rolos de papel, para estancar o choro e raiva, lá embarquei nessa cruzada até ao mundo sórdido da Zoo. O objectivo de CCR é trivial; o jogador participará em inúmeras corridas, até se tornar no miúdo mais cool da cidade. Uma premissa genial, de facto. Ora, para o efeito, o condutor digital terá de comprar um carro da Chrysler, pois claro. Ao que parece, adquirir um Fiat causa acne precoce; seja prudente.
CCR apresenta dois estilos de controlo distintos – o Wii Remote, e a combinação desse acessório com o Nunchuk. Esta ultima opção é, pelo menos, mais estável que a primeira. O jogador recorre ao botão analógico no Nunchuk para comandar o rumo do bólide, enquanto acelera ou diminui a velocidade no Wii Remote. Jogar CCR recorrendo apenas ao Wii Remote, no entanto, é uma experiência absolutamente catastrófica. Saiba que nunca (mesmo nunca) consegui conduzir o meu Chrysler clássico com precisão. Tal como acontece noutras obras para a Wii, como Mario Kart Wii, fui convidado a girar o Wii Remote fisicamente, emulando o meu movimento no ecrã. Mas contrariamente ao racer da Nintendo, CCR parece sofrer de esquizofrenia avançada; por vez, o carro digital parece ter vida própria. Tenha medo…
Independentemente da exibição de incompetência da Zoo, no que à interactividade diz respeito, o comportamento da mecânica de CCR ainda é mais deprimente. A equipa de desenvolvimento preferiu seguir o caminho mais seguro, sem correr qualquer risco. O resultado? Um título banal e completamente amorfo, que poderia ser dirigido a qualquer telemóvel ou plataforma flash. Mesmo quando é possível dirigir a viatura com o mínimo de controlo, CCR só atinge níveis de qualidade extremamente baixos e inacessíveis, até para o adepto de velocidade mais permissivo. Pior, a sensação de velocidade ficou na gaveta dos designers. Parafraseando alguns amigos da nossa praça, o choro é livre.
A estrutura de CCR é reciclada e muito desinteressante. Teremos que conquistar pontos cool, para adquirir novas peças de roupa, e dinheiro para comprar novos veículos da Chrysler. Para o efeito, o piloto de ocasião terá de explorar cada curva das (terríveis) pistas presentes na obra. Saiba ainda que, posteriormente à completação das pistas no modo central do jogo, poderá convidar um amigo para a sessão de dor proporcionada por CCR. Mas, provavelmente, não convencerá ninguém a juntar-se à contenda. Boa sorte…

O membro mais 'cool' do elenco de Chrysler Classic Racing.
A vertente audiovisual de CCR incrementou a minha dependência por fármacos. Senti-me deprimido e triste. A palete de cores na tela parece saída dum estojo de pintura encontrado numa retrete pública. Os modelos e texturas dos veículos tentam emular banheiras espalhadas num sítio arqueológico, e a animação das personagens é quase dolorosa. Animador, certo? Mesmo alheio a qualquer expectativa, o pacote visual de CCR é muito, muito fraco. O som não é tão incomodativo. Honestamente, mal me lembro dos temas que tocavam durante as corridas, mas eram, certamente, monocórdicos e cinzentos. Ver este título na minha Wii é, admito, quase inacreditável.
Para fechar este texto, de aviso e cautela, recomendo que se afaste o mais possível de Chrysler Classic Racing. O jogo da Zoo simboliza o pior desta indústria, sendo uma aberração digital em forma de produto vomitado pelo departamento de marketing da Chrysler. Não há um pingo de criatividade ou valia embutida no disco. Toda a obra é deplorável e quase ofensiva, sobre a lupa dos consumidores mais exigentes. Assumindo que o leitor pertence a esta última tribo, talvez seja altura de ponderar; sushi e passeios de Verão caiem mesmo bem nesta altura. Quanto a Chrysler Classic Racing, uma última e derradeira palavra – Não.
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