Sou uma criatura do frio. Numa outra encarnação, daquelas publicitadas por cavalheiros de crenças sensacionalistas, terei vivido enterrado em gelo e neve. Por essa razão, não louvo as maravilhas do Verão a cada oportunidade. Contudo, por viver num canto solarengo da Europa, lá tenho de suportar a euforia inexplicável, típica da época. As boas notícias? Nesta altura, meio mundo está de férias. Melhor, a probabilidade do fiel leitor ser um dos felizardos, sem afazeres, a caminho do descanso tão merecido, é bastante alta. Ora, por essa razão, invoco o meu lado de servente público, apresentando uma lista de títulos apetecíveis para este período. São cinco obras mais que competentes, disponíveis para as máquinas mais relevantes da nossa praça. Democracia digital em acção, portanto. Por isso, pegue num refresco e considere as sugestões em baixo… enquanto tento arrefecer a pele. Hmm…
PlayStation 3 – Dead Space (EA, EA Redwood Shores, 2008)
Quando pensa em Verão, imagina a época de todos os luxos; praia, sol e festa suficientes para saldar a dívida com o descanso. Nesse cenário paradísico e descontraído, a mente rejeita qualquer sentimento mais desagradável; medo, terror e claustrofobia não entram na lista de prioridades. Mas até os dias de calor e alegria cutânea têm fim. À noite, quando a temperatura baixa, a escuridão convida o entretenimento mais negro e assustador em montra – Dead Space apresenta-se como um disco de eleição. Este survival horror da EA Redwood Shores obrigou muitos fieis a renovarem o respectivo cadastro no género; a obra revitalizou ideias e estimulou a imaginação de muitos. O enredo estende a premissa de sustos de ocasião e pulso rápido, sugerindo uma aventura espacial sem paralelo na indústria. Depois de receber um sinal de socorro, Isaac Clarke, engenheiro técnico e protagonista da trama, é convidado a embarcar na USG Ishimura, uma nave que explora minerais e outros artefactos de valor na superfície de planetas. Aquando a chegada de Isaac à nave, começa a corrida dantesca. Dead Space é um verdadeiro teste de sobrevivência, polvilhado com as mais cruas e primitivas emoções humanas. Enquanto a mecânica sorve inspiração e apreço pelos mestres orientais, a estrutura técnica de Dead Space suspende o jogador numa rede de medo e ansiedade. Graças uma extraordinária (e surpreendentemente discreta) composição musical, cada aparição dum monstro, ou momento chave do enredo, é hiperbolizado ao limite. O ambiente, claustrofóbico mas pintado de forma genial, empresta um sentimento ímpar de desolação e terror. As maravilhas da gravidade são aproveitadas com engenho e criatividade – verá rios de sangue constringidos por regras da física, no espaço. O enredo, com contradições cíclicas baseadas em ideais religiosos e comerciais, é desenvolvido em tempo real, com recurso a poucos planos cinematográficos. Durante 10 horas, garanto diversão e sustos na dose certa, mesmo admitindo problemas a Dead Space. O título da EA sofre pela estrutura linear e algo previsível, pouca variedade no design dos inimigos e alguma insensibilidade no guião. Por exemplo, a face de Isaac só é visível em dois momentos da demanda. Esta artimanha, embora misteriosa, castra outra vertente fundamental da trama – a relação amorosa entre Clarke e Nicole, uma funcionária da Ishimura. Mas Dead Space é mais que uma colecção de méritos e defeitos; a obra cumpre a premissa inicial, apresentando uma experiência com personalidade própria (ainda que familiar) num cenário dantesco e interessante. Fica a sugestão, para os adeptos do sangue digital que voltem da praia a tempo…
Xbox 360 – Lost Odyssey (Microsoft Game Studios, Mistwalker, 2008)
Hironobu Sakaguchi é um dos maiores criativos da nossa era. O génio japonês ofereceu mundos ao mundo, conquistou milhões de fieis e projectou sonhos digitais de incalculável valor e mérito. Sakaguchi realizou, produziu e conceptualizou grande parte dos sucessos da Square-Enix, incluindo a jóia maior da propriedade intelectual da empresa – Final Fantasy. Hoje, o homem que imaginou um mito digital, que moldou o coração de tantos adeptos, dedica-se ao seu próprio estúdio, laborando ideias livres e personalizadas. O acordo entre a Mistwalker e a Microsoft já havia brotado Blue Dragon, um RPG simpático com trabalho de arte de Akira Toriyama (Dragon Ball, Chrono Trigger, Dragon Quest), mas a obra maior da equipa de Sakaguchi-sama só chegaria ao velho continente em 2008. Recorrendo a um exército de notáveis, com talento e alma de sobra, a Mistwalker sonhou Lost Odyssey. A obra conta a lenda de Kaim Argonar, um guerreiro imortal que viveu um milénio. Kaim, preso num estado de amnésia, é envolvido numa trama política, numa guerra entre países vizinhos. Lost Odyssey apresenta um cenário neo-industrial; um mundo onde a magia e a mecânica são o suporte civilizacional dos seus habitantes. Este oásis conceptual da Mistwalker sugere um ambiente mágico e credível, sempre inspirado pelo trabalho dos mestres nipónicos do passado. Mesmo sem quebrar barreiras de originalidade e frescura, a equipa de Sakaguchi desenhou um esboço belíssimo, com pintura própria e alma maior, onde a narrativa é o coração da odisseia. O aventureiro de sofá estabelece uma forte ligação emocional com Kaim, através de textos evocativos da memória do imortal. Ao longo da demanda, a história do guerreiro Argonar é narrada em pequenas prosas, reminiscentes dos mil anos de vida da personagem. Estes textos, ou Thousand Years of Dreams, foram elaborados por Kiyoshi Shigematsu, um afamado escritor japonês. A a emoção e arte de Shigematsu transparecem pelas palavras, cuidadas e tocantes, embutindo valor e significado em cada cena do enredo. A escrita mágica de Sakaguchi serve a premissa inicial de Lost Odyssey; o jogador explora um Universo de sentimentos, onde temas como imortalidade, guerra, política, devoção e sacrifício são escrutinados no ecrã. Qual baile de gala, a Mistwalker potencializou o talento de Nobuo Uematsu, lendário compositor de inúmeros projectos da Square. Caro leitor, saiba que, enquanto escrevo este relatório, também ouço a banda sonora de Lost Odyssey. Arisco afirmar que a trilha que dá som à odisseia de Kaim estará nos lugares cimeiros da minha preferência. Mais uma vez, o tributo à composição de Uematsu pode ser resumido numa palavra – emoção. Para além da competência artística embutida no disco, Lost Odyssey oferece uma mecânica interessante e bem desenvolvida. Esta carta de amor aos adeptos do antigamente, que louvam cada RPG japonês, apresenta um sistema de batalha por turnos, conservador mas atraente. Para o leitor mais caseiro, forçado a desfrutar de passeios de ocasião, Lost Odyssey pode ser o melhor refresco visual e narrativo para este período. A obra maior da Mistwalker serve um verdadeiro festim visual, apresentando cenários verdes e banhados pelo melhor mar digital. Registe-se a crítica positiva, mas algo me diz que voltarei a contar a vida de Kaim…
Wii – Punch-Out!! (Next Level Games, Nintendo, 2009)
Punch-Out!! dispensa palavras de incentivo ou crítica. A mítica série da Nintendo, que nasceu nas Arcadas e brotou qualidade nas consolas domésticas, surge na Wii com uma proposta sólida, fresca e extremamente divertida. A mecânica competente e aditiva, que emana nostalgia e simplicidade, é a alma criativa de Punch-Out!!. Ainda bem. Infelizmente, para quem planeou passar o Verão ligado à Nintendo Wi-Fi Connection, o disco não oferece qualquer funcionalidade online. Mais, Punch-Out!! não foi concebido com a ideologia da Wii em mente; as sessões para dois atletas de sofá são banais e sem inspiração. Contudo, a obra da Next Level Games sugere uma excelente taxa de divertimento por minuto, enquanto Little Mac (candidato a campeão) derrota cada adversário icónico. A estrutura linear do modo carreira, aliada ao bom humor e disposição, contribuem para um ambiente convidativo. Punch-Out!! é a melhor proposta, para quem prefere um sessão digital rápida e descontraída; para jogar enquanto limpa a areia dos pés. O leitor mais atento à palavra do escriba de serviço terá corrido a vista pela análise a Punch-Out!!. Se está alheio à competência da obra, convido-o a descobrir a competição mais saudável da Nintendo; sempre aluga mais uma gargalhada ao comando da Wii.
Nintendo DS – Rhythm Paradise (Nintendo, 2009)
Quando toquei na edição japonesa de Rhythm Paradise pela primeira vez, ganhei um sorriso rasgado. Esta pequena pérola ilumina os ecrãs da Nintendo DS com uma faísca criativa ímpar; nunca me diverti tanto com uma colectânea de pequenos episódios digitais. A ideologia minimalista da Nintendo atinge o pico conceptual na DS. Aliás, sempre que viajo com o cartucho de Rhythm Paradise, lembro-me do potencial quase infinito desta plataforma. Nunca recuso uma obra com mecânica complexa e supra desenvolvida, mas sempre entendi o Universo portátil como o melhor ninho para criações alternativas – aquelas que dispensam filtros monocromáticos pintados a vermelho sangue ou castanho despido. São títulos como Rhythm Paradise, simples, coloridos e extremamente divertidos, que valorizam cada cêntimo nos cofres da Nintendo. A premissa de Paradise é tão rudimentar como aditiva; o jogador recorre ao ecrã táctil da Nintendo DS (disposta na horizontal) para emular determinada função ou habilidade. Só isso. Por exemplo, o adepto de ocasião será convidado a tocar no ecrã, de forma pautada e sequencial, para comandar um (tímido) membro duma orquestra vocal. Se falhar o tempo de toque correcto, a personagem será repreendida pelos companheiros. Noutro nível, ou episódio, o objectivo é carregar robôs com óleo, numa fábrica de produção. Para o efeito, o jogador terá de pautar os toques com o estilete da Nintendo DS. A dinâmica em montra é, de facto, rudimentar. Ironicamente, as funcionalidades únicas da consola, como o microfone e o ecrã táctil, potencializam cada mini-jogo; está tudo muito divertido e intuitivo. Mas o charme de Rhythm Paradise está no design inspirado das personagens e ambiente. A obra da Nintendo apresenta um largo espectro de cores, espelhadas nesta época do ano, que anima até o consumidor mais tristonho. Com pitadas de música ritmada e contagiante, Rhythm Paradise é a melhor salada digital para este Verão – um conjunto de sequências animadas e extravagantes com baixo teor de arrogância e complexidade desnecessária.
PSP – Phantasy Star Portable (SEGA, Sonic Team, 2009)
Phantasy Star Online (PSO) foi uma das melhores experiências que ganhei ao comando da saudosa Dreamcast. Passei horas no enorme Universo da Sonic Team, o primeiro a oferecer sessões em rede à escala global nas consolas domésticas. O projecto hegemónico da SEGA, que pretendia unir milhões com a componente online da Dreamcast, foi um fiasco comercial; mais um passo lento até ao estado agridoce em que a empresa se encontra. Contudo, PSO espalhou magia pelos consumidores da SEGA, louvando o empenho e talento da equipa da Sonic Team – uma das jóias mais brilhantes no catálogo da pequena caixa branca. Ora, depois de algumas aventuras pela série, a Sonic Team apresenta Phantasy Star Portable, exclusivamente para a PSP. A premissa conceptual supõe uma oferta semelhante a PSO (ou Phantasy Star Universe) – o adepto explorará cenários, entupidos de cor, enquanto combate criaturas antipáticas. A festa continua muito democrática, convidando todos os utilizadores da portátil da Sony, com o UMD do jogo em punho, a recorrer à funcionalidade wireless da PSP. Infelizmente, depois da explosão universal dos MMORPG, a SEGA prefere ignorar as vozes dos consumidores, privando Phantasy Star Portable de qualquer componente online. Uma atitude castradora, é certo, mas, ainda assim, a obra tributa o passado glorioso da série, com qualidade e alma própria. Caro leitor, se tem um fraquinho especial pelo trabalho da Sonic Team, Phantasy Star Portable é uma oferta perfeita. Só espero que encontre um Rappy… malvado bicho!
Rhythm Paradise e Lost Odyssey… acho que vou ter que comprar esses. Não tenho muito tempo para RPGs, mas pronto, sempre fiquei curioso desde o seu lançamento. E o RP é simplesmente viciante! =D